MicroCredit
Microrédito, o mecanismo que mudou o mundo e arrecadou um Nobel
"O microcrédito mostra que é possível chegar ás pessoas que não têm acesso à banca convencional."
Muhammad Yunus
Em 2006 Muhammad Yunus e o Banco Grameen por si fundado eram agraciados ex aequo com o Prémio Nobel da Paz. Este professor e economista natural do Bangladesh ganhou notoriedade por ter ajudado a lançar o microcrédito, um movimento global destinado a ajudar os mais pobres através do empréstimo de pequenas quantias em dinheiro (muitas vezes não mais do que o equivalente a trinta ou quarenta dólares americanos), permitindo-lhes assim lançar pequenos negócios e escapar ao limiar da pobreza.
Para que percebamos o alcance deste extraordinário mecanismo, mergulhemos um pouco mais a fundo na questão. O acesso ao capital, mesmo que em pequena escala, pode ter um efeito transformador nas vidas humanas e ao longo do tempo aqueles que são beneficiados com as pequenas quantias facultadas pelo microcrédito acabam por utilizá-las como base para a edificação de negócios prósperos tais como uma pequena quinta, uma pequena loja ou uma oficina de artesanato. Este empréstimo serve como catapulta para que tanto o beneficiário como a sua família saiam de uma situação de pobreza extrema e ganhem meios de subsistência que lhes permitam olhar para o futuro com outros olhos. A ideia surgiu na década de 70. Na sequência do seu percurso académico realizado quer no país onde nasceu, quer nos Estados Unidos, Yunus foi nomeado professor de Economia na Universidade de Chittagong, em pleno Bangladesh. Quando em 1974 o país foi alvo de um surto de fome, o professor sentiu que tinha de fazer algo mais do que apenas ensinar, dando o seu contributo para alterar a situação dos mais desfavorecidos. Teve então a ideia destes empréstimos a longo prazo, que posteriormente atingiram uma escala maior através da criação do já referido banco Grameen De facto, desde a altura em que Yunus teve a ideia de começar a emprestar dinheiro às pessoas, milhares de famílias no Bangladesh começaram a melhorar a suas circunstâncias económicas através da ajuda do microcrédito. A invenção espalhou-se rapidamente a outras partes do globo, especialmente países emergentes, através de milhares de instituições de microcrédito lançadas por organizações sem fins lucrativos, agências governamentais, e empreendedores dos mais diversos quadrantes que procuraram reproduzir o sucesso do Banco criado por Yunus. De acordo com o economista, o microcrédito é um direito do homem e uma forma eficaz de combater a pobreza: ao emprestar dinheiro aos pobres e ao ensinar-lhes alguns princípios financeiros, estes acabam por conseguir orientar-se a si próprios. Para Yunus e para o banco Grameen a caridade não é a resposta adequada para a pobreza, e apenas ajuda a que esta se prolongue no tempo, criando dependência e acabando com a proatividade e o espírito de iniciativa do individuo para sair dessa condição. A resposta adequada a este flagelo está no facto de se libertar a energia e a criatividade existente em cada ser humano. O Banco Grameen trouxe crédito aos mais pobres, às mulheres (que constituem 97% do universo de clientes), aos analfabetos e àqueles que não tinham a possibilidade de obter um rendimento. Esta instituição criou uma metodologia à volta das necessidades financeiras dos mais desfavorecidos e, de certa forma, ajudou a mudar o mundo. O Grameen adquiriu formalmente o estatuto de banco em 1983, através de uma lei especial promulgada para a sua criação. Em 1996 já tinha estendido o crédito a mais de três milhões de pessoas e tornava-se no maior banco do Bangladesh, com mais de 1.000 sucursais. Atualmente conta com 2.565 sucursais e tem um staff de 22.124 colaboradores. Todas essas sucursais estão informatizadas e contam com sistemas contabilísticos e de gestão da informação (as organizações fornecedoras de soluções tecnológicas podem vislumbrar aqui uma oportunidade muito interessante), o que permite aos colaboradores ocuparem mais tempo com aqueles a quem emprestam dinheiro do que com os aspetos burocráticos relacionados com a documentação em papel.
Desde a sua criação, o banco teve lucros em praticamente todos os anos, exceto em 1983, 1991 e 1992. A receita total do banco em 2010 foi de 252,05 milhões de dólares americanos e desde a sua criação já desembolsou uma quantia de 11,35 mil milhões de dólares em empréstimos, sendo que a taxa de recuperação desses empréstimos ronda os 96,67%. O Grameen não pede garantias aos seus clientes e não solicita que estes assinem qualquer documento legal, uma vez que não tenciona levar nenhum deles a tribunal em caso de não pagamento. Cada cliente deve pertencer a um grupo de cinco membros, mas a responsabilidade sobre o pagamento da "dívida" recai apenas sobre cada individuo. A cargo do grupo fica o papel de supervisão, certificando-se que cada um dos membros que o integram age de forma responsável e não incorre numa situação de incumprimento. Caso um dos membros não pague, o grupo não fica com a responsabilidade de saldar essa dívida. Deste modo é a pressão no seio do grupo que encoraja os membros a cumprirem as suas obrigações de forma atempada. Refira-se ainda que, de acordo com um estudo recente, 68% das famílias que recorreram ao banco Grameen escaparam ao limiar da pobreza.
Parece impossível mas é real. Estamos em presença de um banco verdadeiramente diferente cuja ação promete um mundo melhor onde cada um, por mais desfavorecido que seja, tem uma palavra a dizer em termos financeiros. Em jeito de remate, uma última reflexão: "Copiar" esta ideia não só não é errado, como deveria ser mandatório!
Algumas Características do "Microcrédito Grameen"
- O crédito é visto como um direito do ser humano;
- A sua missão é ajudar famílias desfavorecidas a vencer a pobreza. O principal foco são os pobres, em especial as mulheres;
- Não envolve garantias ou contratos legais e baseia-se na confiança;
- Serve para criar auto-emprego e para estimular atividades que originem uma fonte de rendimento;
- Iniciou-se como um desafio à banca convencional, que rejeitava os pobres não os considerando dignos de obter crédito. Como resultado criou a sua própria metodologia;
- Fornece serviços "à porta" dos mais desfavorecidos com base no princípio de que as pessoas não se devem dirigir à banca, mas deve ser esta a dirigir-se às pessoas;
- Para obter um empréstimo, o "cliente" deve juntar-se a um grupo;
- Os empréstimos podem ser recebidos numa sequência contínua. Um novo empréstimo torna-se possível quando o anterior é pago;
- Os empréstimos são pagos a prestações (semanalmente ou duas vezes por semana).